Lembranças: “Campo da Bola” de Ala, Macedo de Cavaleiros
5 min readUma parte das minhas férias deste ano foram passadas em Ala, uma aldeia do município de Macedo de Cavaleiros. Um dia, enquanto observava a paisagem que rodeia o lugar saltaram-me à vista duas balizas no meio dos olivais. Era o momento de enfiar as máquinas na mochila e por pés ao caminho.
Bem… “Pés ao caminho” com as devidas aspas, porque a condição da minha lombar no momento não convidava a grandes aventuras caminhantes pelas estradas de inclinação irregular da terra transmontana. Pedi uma bicicleta emprestada e pela primeira vez em 10 anos andei de bicicleta na rua com a mesma falta de estilo de sempre.
Do meu alojamento ao campo, a pedalar, não eram mais de 10 minutos. Talvez cinco se eu não fosse aleijado.
Quando cheguei, fiquei maravilhado. Ainda que em claro estado de abandono, o campo tinha uma vista que, para mim, era única. Eu que sempre tive (orgulhosamente) a fama de ser um rapaz de aldeia, senti-me ali um menino da cidade. Rodeado por olivais e com uma vista fantástica sobre o horizonte onde o sol se põe proporcionando um espetáculo visual raro. Uma bancada ali, era um crime.
Bancos de suplentes, balneários ou outras infraestruturas de apoio, não existem. Desconfio que dificilmente seria aprovada para as competições da UEFA, mas tive imediatamente a certeza absoluta que está mais do que aprovado para a única competição futebolística que vale a pena: o dérbi rasgadinho entre amigos. Aquele dérbi que eu joguei praticamente todas as tardes de verão da minha juventude no Campo das Minas em Nogueira do Cravo. Esse sim, tinha balneários e bancos de suplentes, mas nunca foram precisos. Havia espaço, havia balizas, havia bola… Havia jogo! Havia até uma presa de onde bebíamos água que servia de abrigo a cobras e que, se analisada, faria rebentar o tubo. Ninguém morreu disso.
O sol quente daquele fim de tarde de agosto, transportou-me sem dúvida para essas tardes em que uma horda de miúdos da aldeia se juntava no Campo das Minas para um jogo que começava quando estivessem todos e acabava quando acabasse. Nostalgias às quais voltarei um dia noutro artigo.
Fotografei o que tinha a fotografar e observei o horizonte pensando já nas linhas que viria a escrever aqui… Mas havia um problema: não sei absolutamente nada deste campo e sei menos ainda sobre a aldeia. Sabia que dificilmente o Google seria uma ajuda. Por isso, fiz o caminho de regresso pelo caminho mais longo na esperança de esperança de encontrar alguém com quem falar.
Encontrei uns metros mais abaixo um casal a trabalhar no campo. Ela “com as mãos na massa” e ele, aparentemente já só capaz de fazer companhia, sentado na sombra dos arrumos. Não lhes consigo estimar a idade, mas certamente que é muita. Perguntei há quanto tempo o campo estava sem uso e, apesar de esperar um data mais longínqua, a resposta que obtive foi: “Desde que veio isto do COVID! Antes jogava-se aqui muito.”.
Agradeci e segui na esperança de encontrar mais alguém. Mas nada. A minha esperança era o único café da aldeia. Foi uma aposta ganha.
Fui então ao bar da Associação Cultural Recreativa e Desportiva de Ala logo depois de jantar para falar com qualquer pessoa que me aparecesse. Pedi uma Cola fresquinha, que o clima estava a pedir, e comecei com perguntas sobre o campo. Fui atendido pelo Sr. António e pelo Rui. Gerações diferentes mas com uma paixão pela terra que transparecia claramente.
Com eles aprendi que a ACRD de Ala foi fundada em 1990 e três anos depois foi criado aquele bar, que por aqueles dias de calor tórrido era o ponto de encontro da gente da aldeia ao final do dia.
Na altura, o Sr. António e os fundadores andaram de casa em casa a recolher apoios monetários para a escritura de criação da ACRD de Ala. Do balcão, o Sr. António puxou um caderno onde, com uma caligrafia imaculada, tinha o nome de cada um dos “mecenas” e a respetiva contribuição em escudos.
Antes da criação da Associação, a muita juventude de Ala jogava nos terrenos da aldeia. Ora num, ora noutro… Nada fixo nem com infraestruturas que lhe tornassem digno o nome de “campo de futebol”. Aí, a Junta de Freguesia negociou um terreno fixo e, para haver ajudas oficiais de entidades competentes, teve que surgir a Associação.
Algum tempo mais tarde, a CM de Macedo de Cavaleiros suportou a terraplanagem do terreno e a mão de obra ficou a cargo dos “da terra” para se fazer este belo campo.
Ali se jogaram até aos dias de hoje vários confrontos entre aldeias vizinhas e muitos “solteiros contra casados” com homens e mulheres. Equipas de Mogrão, Meles, Arcas e Ferreira são algumas das que ali vieram defrontar os de Ala. Mas nunca se federou uma equipa de futebol naquela freguesia. Apenas o futsal teve essa honra.
Esta época a ACRD de Ala participará no Campeonato Distrital de Futsal da AF Bragança. Traremos novidades disso oportunamente!
A última vez que a bola rolou no campo de Ala foi antes da pandemia. A primeira vez que foram levantadas as restrições o campo foi limpo, mas continua por utilizar até aos dias de hoje.